Nos Estados Unidos a gorjeta é uma farsa. Não é generosidade, é chantagem cultural. O cliente paga a conta e ainda é obrigado a sustentar o ordenado do empregado. Quem não dá, é olhado como criminoso social. Isto não é empatia, é exploração legalizada. O sistema americano transforma o ato de gratificar num imposto invisível.
Em alguns países asiáticos, a lógica é o oposto. Se o cliente oferece gorjeta, é visto como mau sinal. Significa que o empregado não trabalhou bem, que o serviço foi mal servido e precisou de compensação. Dar dinheiro extra não é lido como empatia, mas como crítica.
Em Portugal a realidade é diferente. Não existe tradição de gorjeta. Quando alguém dá uma gorjeta alta, surge desconfiança. O gesto não é visto como empatia, mas como estranho, suspeito ou até insultuoso. Um homem a dar dez euros a uma empregada, por exemplo, pode ser lido como sedução barata, paternalismo ou humilhação. Não existe leitura inocente.
Em zonas turísticas como Lisboa, Porto ou Algarve, alguns empregados já aprenderam a explorar o estrangeiro. Criam pressões subtis: deixam o troco em cima da mesa à espera que o cliente “se esqueça”, fazem caras feias quando não recebem nada, ou tratam o turista de forma diferente para tentar arrancar mais dinheiro. Isto não faz parte da cultura portuguesa — é apenas oportunismo adaptado ao mercado.
Para piorar, nos restaurantes e cafés das grandes cidades a maioria dos empregados já nem são portugueses. São estrangeiros mal pagos, sem domínio da língua portuguesa e inglesa, sem ligação à cultura local. O serviço degrada-se ainda mais: não há comunicação, não há cuidado, não há sequer identidade. A gorjeta, neste cenário, é completamente absurda — um extra pago por um serviço mínimo prestado por alguém que nem se esforça em compreender o cliente.
O problema é estrutural: o modelo português não associa serviço melhor a recompensa maior. A gorjeta não altera comportamentos. Não cria motivação, fidelidade ou respeito; cria desconfiança e interpretações erradas.
Dar gorjeta em Portugal não é obrigação, não é valorizado e não é compreendido. Muitas vezes é desprezado em silêncio por quem recebe. O que se paga já cobre o serviço. Dar mais é entrar num jogo sem retorno.
Nos Estados Unidos é abuso. Em Portugal não vale a pena. E em países asiáticos pode até ser lida como insulto.
No fundo, a gorjeta só teria valor verdadeiro se fosse dada do coração — como gesto espontâneo de empatia e reconhecimento genuíno pelo esforço de quem trabalha. Fora disso, é apenas ruído cultural.
Agosto 2025
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