André Ventura: “Prefiro um bandido morto a um polícia morto”

Estava a ver a entrevista de André Ventura na SIC, conduzida pela jornalista Clara de Sousa, quando ele largou a frase que revela tudo sobre a mentalidade que o move. Há frases que revelam mais sobre quem as diz do que sobre o tema em si. Quando André Ventura afirmou em direto na SIC que prefere ver um bandido morto a um polícia morto, deixou claro o tipo de sociedade que defende: uma onde a autoridade pode matar e ficar impune, onde a farda serve como escudo moral e jurídico. O problema é que, em Portugal, os “bandidos” de que ele fala muitas vezes usam precisamente essa farda.

Quem conhece a realidade das ruas, das discotecas e do submundo urbano português sabe que a corrupção policial é uma das maiores vergonhas do país. A PSP e a PJ estão infiltradas até ao pescoço em esquemas de droga, tráfico de mulheres e redes de proteção criminosa. No Lux Frágil, por exemplo, toda a gente sabe quem leva a cocaína e quem fecha os olhos. Há polícias que fazem as entregas, que garantem segurança aos verdadeiros traficantes e que, em troca, recebem a sua parte dos lucros. Os mesmos que deveriam proteger os cidadãos são os que alimentam os circuitos da noite e do crime.

Ventura diz que prefere um bandido morto a um polícia morto. Mas o que ele ignora – ou finge ignorar – é que em Portugal muitos polícias são os bandidos. São eles que traficam, que chantageiam, que participam em esquemas de exploração sexual, que controlam o mercado da droga nos bastidores. E são eles que nunca são julgados, nunca são presos, porque a corrupção dentro das instituições judiciais e policiais os protege.

A frase de Ventura é perigosa porque dá carta branca à violência do Estado. Faz parecer que o uniforme é sinónimo de moralidade, quando na realidade é apenas uma licença para fazer parte do mesmo sistema podre que alimenta o crime. O verdadeiro problema não é o “bandido da rua”, é o bandido que tem crachá e salário do Estado. Enquanto a corrupção dentro da PSP e da PJ continuar a ser tabu, o discurso moralista de Ventura não passa de teatro político. Ele não quer justiça – quer autoridade cega, quer poder sobre o medo.

Em Portugal, o crime já não se distingue pela roupa que se veste. Está dentro das forças de segurança, nos corredores das esquadras e nas mesas onde se contam os lucros da noite. Ventura pode preferir ver um bandido morto. Eu prefiro ver um país onde os polícias corruptos sejam julgados como qualquer criminoso. Porque só quando a justiça olhar para dentro é que o discurso do “bandido e do polícia” deixará de ser uma farsa.

Outubro 2025

Este artigo está em português. Leia também a versão em inglês ⇒ Read in English