A família é apresentada como porto seguro, mas na prática muitas vezes funciona como um travão. Não é raro ver pais, tios ou avós a imporem caminhos que não correspondem à inclinação natural do jovem. Dizem “faz isto, faz aquilo” como se fossem oráculos da vida, acreditando que existe uma fórmula universal para o sucesso: basta mandar e o jovem, obedecendo, supostamente vencerá. Mas quando o plano falha, lavam as mãos. O resultado é sempre o mesmo: anos desperdiçados, frustração acumulada, e um vazio que a família nunca reconhece porque nunca assumem a responsabilidade dos conselhos errados. Eles não sabem ler a essência do rapaz, não captam o talento nato, não percebem a inclinação interior que Robert Greene chama de “chamado natural” no livro Mastery. Além disso, acreditam que podem decidir até nas amizades e nos relacionamentos amorosos do jovem, como se fossem peças intercambiáveis dessa fórmula universal.
O jovem sente-se preso num guião que não escreveu. A cada decisão imposta, a identidade evapora-se. Ele não escolheu nada, apenas executou ordens. Quando a frustração atinge o limite, muitos procuram fuga rápida: drogas, álcool, vícios digitais, comportamentos destrutivos. É um padrão que repete geração após geração. A família acreditando estar a ajudar, na verdade empurra para o abismo.
Este mecanismo não é exclusivo do núcleo familiar. As organizações de inteligência trabalham da mesma forma, mas com método científico e disciplina militar. Elas desenham planos de vida para indivíduos específicos, extraem variáveis da equação pessoal até a vítima não ter margem de escolha. É engenharia de comportamento aplicada. O alvo começa a viver num corredor estreito, sem bifurcações, conduzido como gado para um destino pré-estabelecido. A autonomia é arrancada peça por peça até sobrar apenas uma marioneta com a ilusão de escolha. Nesse processo, também manipulam a esfera social e afetiva, escolhendo quem a vítima deve ter ao lado e quem deve ser afastado, controlando até amizades e relacionamentos íntimos como parte da programação.
No fundo, família e organizações de inteligência partilham a mesma lógica: substituir a inclinação natural por uma narrativa artificial. Um jovem que poderia ser artista é forçado a virar contabilista. Um indivíduo que nasceu para empreender é encurralado num emprego de escritório. Uma mente curiosa é anestesiada pela rotina, pelo medo e pela manipulação. A consequência é previsível: vidas rasgadas, potenciais enterrados, talentos nunca revelados.
A chave é reconhecer cedo o padrão. A inclinação é uma força interna que não mente. Se for ignorada, apodrece por dentro. O jovem que não protege essa centelha será sempre vítima: da família, da sociedade, do Estado, ou das máquinas invisíveis da engenharia psicológica. Resistir exige brutal honestidade consigo mesmo e coragem para cortar o cordão, mesmo que doa. A vida não pode ser ditada por guionistas externos. Quem abdica da própria inclinação já está morto em vida, apenas respira por inércia.
Setembro 2025
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